sábado, 31 de outubro de 2015

MINI PROSAS/Xavier Placer * Antonio Cabral Filho - RJ

MINI PROSAS
XAVIER PLACER
Letras Fluminenses
Niterói - Rj 1991
*
O Hóspede

Entre a telha e a trave da varanda
o pássaro solteirão
vem dormir todas as noites.
Infla as plumas e não gosta que se acenda a luz:
abre o olhinho vígil e o bico é um grampo espetado no novelo.
Madrugador
ninguém o vê partir...
*

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Ciranda Criança Em Versos / Heloísa Crespo * Antonio Cabral Filho - RJ

Ciranda Criança Em Versos - 2015
Organização:
Professora Heloísa Crespo - RJ
http://pt.slideshare.net/letrastaquarenses/apresentao-ciranda-online-criana-em-versos-2015-oficial-antonio-cabral-filho-rj 
*

Canteiros de Obras/Maria Regina Moura * Antonio Cabral Filho - RJ

Prêmio Scortecci De Poesia 1989
João Socortecci Editora 
1990
*
Maria Regina Moura

CANTEIRO DE OBRAS

1 - Quase Que o Cais Me Pega

Quase que o cais me pega
não o navio,
não a linha do horizonte,
não a onda agigantada

mas o cais quase me pega
ali parada
*
2 - Fragmento

O tempo são muitos. Mesmo
quando não o vemos mover-se
lá está:
no espaço entre o objeto e sua sombra.
*
3 - Caleidoscópio

Não redigi manifestos
não fiz política estudantil
nem li meus poemas nas praças.

Ainda ouço os gritos
de uma infância de grandes projetos.
*
SAIBA MAIS
http://canteiroseditora.blogspot.com.br/ 
***

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Cecília Meireles/Obra Poética * Antonio Cabral Filho - RJ

Cecília Meireles 
Obra Poética
cia José Aguilar Editora 1972
*
COLAR DE CAROLINA

Com seu colar de coral
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.

O calor de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.
*

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Vasto Céu De Shirley * Alberto Araújo - RJ

Livro Diário do Escritor
Agenda 2014
Litteris Editora 2014
*
Vasto Céu De Shirley

Coração e linda paisagem de mulher Deusa.
Da beleza à luz de mil holofotes,
extraem-se verdes e sutis versos líricos.
Boca sensual de baton carmim.
Maçã - vermelha tom maior,
norte - sul do corpo,
polens harmoniosos e divinos.
Beijos de anjo,
faíscas de estrelas.
EU - amante-poeta-menino,
hospedo meu olhar luminoso
em seu lindo CÉU florescente - feminino.

Alberto Araújo - Niterói/RJ
*

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Ária - Hermínio Bello de Carvalho * Antonio Cabral Filho - RJ

A Novíssima Poesia 
Brasileira
Seleção
Walmir Ayala
Série Cadernos Brasileiros
Rio de Janeiro 1962
*
Hermínio Bello de Carvalho,
nascido em 28 de março de 1935, 
violoncelista, compositor, 
diretor da Rádio MEC e poeta.

ÁRIA
(para cravo e viola del perdón)

Ai! que me dói esse amor
que nem houvesse um passarinho morrendo no meu 
       peito
e mais que ama, mais insatisfeito
se torna a cada amor.
Dói o amor que nem o espinho
de uma rosa espetado no meu dedo
e, mais doendo, mais cresce o amor.

ai coração! - já tão ardido e penado
que mais te espera
                     senão

a rosa
de espinhos coroada?
*


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Amanhecerá/Luiz Raimundo * Antonio Cabral Filho - RJ

AMANHECERÁ
Luiz Raimundo
Organizadores:
José Batista de Carvalho e Marcos de carvalho
Prefácio
Alceu Amoroso Lima
Livraria Editora Cátedra 
Rio de Janeiro 1976
*
 nasceu em 05 de maio de 1948, na cidade de João Pessoa - PB, não fornece detalhes da sua migração para o Rio de Janeiro, mas uma vez aqui, foi cursar faculdade, integrou as lutas estudantis da década de 70, participou da poesia marginal, imprimia seus livros em mimeógrafos e saía vendendo-os pela noite carioca, entre recitais e vinhos. Faleceu em 03 de novembro de 1973, após defrontar-se mais uma vez com a esquizofrenia.
*
EXTREMA LUCIDEZ

a lúcida loucura me domina inteiramente.
aqui, agora, com o medo próprio da minha classe
marcado pelo estigma  desse tempo
percebo claro a forma dos fenômenos
o que  eles trazem, suas contradições.

não de todos, mas de alguns percebo
o âmago antes mesmo de apalpar a forma.
percebo interconexões não percebidas
por olhos normais e não acostumados
ao exercício frio de vivê-las.

já houve tempo em que eu quis
inutilmente encontrar alguma coisa
que não tivesse em si o seu contrário.
inútil busca, angústia sem sentido:
sou a Contradição humana.
sou tese, sou antítese, sou síntese.
somos contradição.

alcanço, neste momento exato
a lucidez da loucura
e louco, consciente, sou
a loucura da loucura.
*

domingo, 25 de outubro de 2015

Clave De Sol * Antonio Fraga - RJ

Antologia Dos Poetas Laureados
No Concurso De Poesia De "Leitura"
Apresentação
Adonias Filho

Comissão Julgadora
Carlos Drummond de Andrade, Antonio Olinto e Adonias Filho.
1º Lugar: Homero Homem. 2º Lugar: Otávio Mora. 3º Lugar: Jurandir Bezerra.
Livraria São José
Rio de Janeiro 1958
*
CLAVE DE SOL

I
As uvas cor de sol.
O sol - em negativo,
é como negra lâmpada
em branca cabeleira.

Uva. Pautas. Vindima
de sons, no pentagrama.
Músicas. Sazão.Ritmicos
fonemas de ouro moído
ouvimos, ah ouvimos
remordidas vivências.

Os vinhos de adulto preço
são feitos de olhos límpidos.
Olhar límpido, qual pranto,
tenho uva nas pupilas.

O olhar é vinho tinto
na trova. Safra. As horas
cortam o silêncio, caindo
no quadrante solar.

Clave de som no som
estala em tiques-taques
o sol, esta uva preta.

II

Uva. Pausas. Olhar
que explode, após relâmpagos,
e ilumina a estrada
por onde avançarei.

Os meus pés nunca sabem
o caminho das fugas.
Minhas mãos se recusam
a acariciar os dedos
com a face da amada.

E o amor é resolvido
em palavras-cruzadas:
horizontal - um beijo;
vertical - em tua boca,
minha loura e louca Yeda.

E a solução é a ênfase,
e o trim-dlem é o artístico.
E o sol é clave. E a lâmpada
apagada é a acesa.

III

Enlutado, sem o branco
açúcar - cor de sol,
sem o sal - cor de leite,
o poema é só manchete.

Muito negro (em negrito
a palavra é um CLOSE UP
na tecnica da estrofe)
o verso tem gatilhos.

Chovem séculos.
Chovem séculos.
Chovem séculos.

O tempo domestica os próprios deuses.
O tempo domestica os próprios deuses.
O tempo domestica os próprios deuses.

E muito o olhar, que tomba
como pranto maduro,
das uvas - sóis em eclipse
jorre a luz às avessas.

Antonio Fraga  - RJ, 
nascido no Catumbi, falecido em Nova Iguaçu, contista, cronista, poeta e personagem da boemia carioca, viandante da Lapa ao Mangue da Cidade Nova.
*

sábado, 24 de outubro de 2015

Antologia Luso Brasileira/Wagnar Ribeiro * Antonio Cabral Filho -= RJ

ANTOLOGIA
LUSO BRASILEIRA
Org Wagner ribeiro
Editora Coleção FTD Ltda. 1964
*
AS VÍTIMAS

No entanto, começava a declinar a tarde; uma voz reuniu todas as senhoras e senhores em um só ponto: serviu-se o café num bela caramanchão, mas como fosse ele pouco espaçoso para conter tão numerosa sociedade, aí só se abrigaram as senhoras, enquanto os homens se conservavam  na parte de fora.

Escravas, docemente vestidas, ofereciam chávenas  de café fora do caramanchão e, apesar disso, D. Carolina se dirigiu com uma para Fabrício, que praticava com Augusto.

-  Eu quero fazer as pazes, Sr. Fabrício; vejo que deves estar muito agastado comigo e venho trazer-lhe uma chávena de café temperado pela minha mão.

Fabrício recuou um passo e colocou-se à ilharga de Augusto; ele desconfiava das tenções da menina: o café não tem açúcar. Então, começou entre os dois um  duelo de cerimônias, que durou alguns instantes, e finalmente o homem teve de ceder à mulher. Fabrício ia receber a chávena, quando esta estremeceu no pires... D. carolina, temendo que sobre ela se entornasse o café, recuou um pouco. Fabrício fez outro tanto; a chávena, ainda mal tomada, tombou, o café derramou-se inopinadamente. Fabrício recuou ainda mais com vivacidade, mas, encontrando a raiz de um chorão, que sombreava o caramanchão, perdeu o equilíbrio e caiu ruidosamente na relva. Uma gargalhada geral aplaudiu o sucesso.
- Fabrício espichou-se completamente! exclamou Filipe.

O pobre estudante ergueu-se com ligeireza, mas, na verdade, corado do que acabava de sobrevir-lhe; as risadas continuavam; todas as senhoras tinham saído do caramanchão e riam-se, por sua vez, desapiedadamente. Fabrício daria muito para se livrar dos apuros em que se achava, quando, de repente, soltou também a sua risada e exclamou:
- Vivam as calças do Augusto!

Todos olharam.Com efeito, Fabrício tinha encontrado um companheiro na desgraça. Augusto estava de calça branca e a maior porção do café entornado havia caído nela.

Continuaram as risadas, redobraram os motejos. Duas eram as vítimas.

Joaquim Manuel de Macedo
( A Moreninha), 
*

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Poesia Caxiense - Parte 2 * Antonio Cabral Filho - RJ

VIAGEM PELA POESIA
1940-1990
Série Memória Viva Vol I
Secretaria Municipal de Cultura
Prefeitura Municipal de Duque de Caxias
PMDC 1992
*
São 99 autores, elencados pelo gigante Francisco Barboza Leite. Juro que eu gostaria de publicar cada um deles, nome por nome, porque merecem, mas o problema está em mim, e preciso ser urgente, dar-lhes uma amostra da poesia fluminense e trazer-lhes mais uma vez este município riquíssimo de poetas e escritores de todas as estirpes.

1 - Barboza Leite

CONVALESCÊNCIA

A poesia chega na carícia
que a folhagem nova
recebe da neblina.

Nas folhas que se agitam
parece que um sorriso
de repente se acende
entre lábios insensíveis.

A alma, por que não,
como flor coberta de orvalho
desperta de um sono
onde estava submersa.

É acalanto, aconchego
esboçando-se nas plumas
de uma brisa que traz
alegria a um enfermo.

Dispõe-se o punho a escrever
inserindo na lauda branca
um remanso de apelos,
súbitas borboletas inventando.
*
2 - Solano Trindade

EPIGRAMAS CAXIENSES
I
A cidade onde eu moro
é como o mundo
tem criminosos e santos
Há os que exploram
e há os explorados
Quando o mundo mudar
a cidade onde eu moro
mudará também...
II
Choveu
e as águas levaram a sujeira de minha rua
as plantas ontem secas e tristes
amanheceram alegres e vivas
e eu acreditei e fiquei tão tranquilo
que não olhei para os jornais
tão cheios dos crimes do dia...
III
O barbeiro de minha rua
toca a sua flauta
enquanto espera freguês
e de sua flauta
saem melodiosas canções
A sua cabeça está embranquecida
mas o seu olhar é vivo
e tem no rosto uma alegria de jovem
Quando chega um freguês 
ele guarda a sua flauta
e começa a falar 
de coisas da vida
quando o freguês se retira
ele apanha a sua flauta
e toca bonitas canções...
*

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

De Cara Limpa E Boca Suja/Jorge Vieira * Antonio Cabral Filho - RJ

De Cara Limpa E Boca Suja
Jorge Vieira,
poemas, reg. BN/EDA 61700 Prot 4703/89.
Prefácio - Gilson Caroni Filho, capa - Sérgio Campos.
Copyright: Santos, Jorge Vieira 1990.
*
PREFÁCIO
"Moleque do Rio Comprido, filho de Salvador e de Yara, Jorge cresceu e, como o pai com o solado dos sapatos, resolveu calçar a vida de poemas.

O  pai, música sobre tamancos, cortejou nas ruas sinuosas do Catumbi, Yara, a namorada. O filho, este moleque abusado e narigudo, encontrou nas linhas tortuosas do viver a poesia como forma de expressão. Tal pai tal filho. Tantos espíritos santos.

Agora ele, ( o filho ) me envia carta plena de convicções, anunciando o lançamento de seu segundo livro. Nela sou tratado por "companheiro".

Ledo engano: a condição ontológica de um poeta é a solidão.  Tudo nele é singular e intransferível.  Sua sina é trágica porque lhe é negado o direito à partilha. Suas dores e amores  são indivisíveis e, o que é mais terrível, intraduzíveis para outra linguagem que não seja a poética.

Em Vieira, como em todos os poetas,  habitam ectoplasmas. E suas emoções atemporais são juras de amor que se desfizeram por exigências métricas, pulsares inaudíveis de filhos apenas desejados, e uma história cuja tragicidade reside no fato de que mentem vencedores e vencidos.

Volúvel e leviano? besteira. O poeta sabe que ou se é ou se ama. Quem ama não é. Quem é não mama. O poeta opta por amar. A única certeza de amante é luz de fogo - fátuo. A luminosidade turva a visão e, quando menos se espera, entre um verso e outro, tudo está perdido.

Por isso, Jorge, sou, quando muito um de seus fantasmas preferidos. Daqueles que testemunham a concordância entre o estilo e a sinceridade das incertezas.

A construção formal fica por conta da crítica, conjunto de simuladores que não se dão conta do caráter inacabado do que lêem.

!Cara Limpa E Boca Suja" é mais uma armadilha para  os exegetas de plantão. A ela sobreviverão muitas tentativas inúteis de conceituação e enquadramento.

Os versos, pantanosos que são, tragarão todos os que julgarem possível fazer, impunemente, a travessia de um poema.

Acho até que é dever do prefaciador alertar os leitores que, entre as Ruas do Catumbi e as vielas estreitas de Manágua, a morte os espreita, altaneira como um galo de briga, malemolente como seu criador.

Se forem pegos, o que acontecerá nos registros de óbito? Edema barroco? Septicemia parnasiana? Acidente vasculhar concretista? Infarto práxis? Sei lá, cada um que escolha seu fecho de ouro.

Vieira, pleno de convulsões, me envia correspondência. À boca vem um gosto do feijão da Yara, temperada com uma saudade abafada do Salvador.

Cá estou, a meu modo, de cara limpa e boca suja. 

GILSON CARONI FILHO"
*Jorge Vieira datou sua introdução em "Março/1990", após tecer dribles para não ser formal ou sugerindo como não fazer uma introdução. Gostaria de oferecer aos meus amigos leitores todo o livro dele, mas trata-se de 82 poemas, em sua maioria letras de música compartilhadas com músicos e cantores da nossa cidade e Grande Rio, São João de Meriti e alhures.
Em rápida busca sobre ele, encontrei-o aí, no meio de um palco, recitando ou cantando, faz um tempão. Confiram o link
http://m.diariodovale.com.br/views/noticiaInterna.asp? cod=33624&codArea=3 
*
Deixo-lhes o poema-título

DE CARA LIMPA E BOCA SUJA

Eu vou entre rosas retalhos e rendas
restos risos romances reinados
dissidências detalhes e dados
chuva sol celas cintos e sendas
eu vou entre fotos fantasmas e fitas
chopes cheiros xaropes e chitas
mensageiros massagens e mitos
imprudência problemas e portos

E lá vou eu
peito aberto e corpo fechado
corpo forte e fé nas rezas
osso duro de roer
e lá vou eu
lábios secos olhos molhados
riso alegre pela cara
(É assim que eu posso ser)

Eu vou entre cegos sarrafos sentidos
luminosos levantes latidos
inimigos perigo latidos
maldições mutações e mormaços
eu vou entre pernas poemas e pingos
analistas neurônios mendigos
infelizes felinos famílias
bomba H bano e bumba-meu-boi

E lá vou eu
pulso firme e mão aberta
mente forte e fala solta
doa ela a quem doer
e lá vou eu
cara limpa e boca suja
pois por mais que disso eu fuja
é assim  que eu sei viver.

*Poema e melodia de Jorge Vieira
*

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

As Primaveras/Casimiro de Abreu * Antonio Cabral Filho - RJ

AS PRIMAVERAS
CASIMIRO DE ABREU
Livraria Martins Editora/INL 1972
Introdução: Domingos Carvalho da Silva
*

Minha Terra 

Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá. 

G. Dias.
I
Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha,
nas débeis cordas da lira
hei de fazê-la rainha;
- Hei de dar-lhe a realeza
nesse trono de beleza
em que a mão da natureza
esmerou-se enquanto tinha.
II
Correi pr'as bandas do sul:
debaixo dum céu de anil
encontrareis o gigante
Santa Cruz, hoje Brasil;
- É uma terra de amores
alcatifada de flores
onde a brisa fala amores
nas belas tardes de abril.
III
Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!!
- É uma terra encantada
- mimoso jardim de fada -
do mundo todo invejada,
que o mundo não tem igual.
IV
Não, não tem, que Deus fadou-a:
Dentre todas - a primeira:
Deu-lhe esses campos bordados,
deu-lhe os leques da palmeira.
E a borboleta que adeja
sobre as flores que ela beija,
quando o vento rumoreja
nas folhagens da mangueira.
V
É um país majestoso
essa terra de Tupã,
desde o Amazonas ao Prata,
do Rio Grande ao Pará!
- Tem serranias gigantes
e tem bosques verdejantes
que repetem incessantes
os cantos do sabiá.
VI
Ao lado da cachoeira,
que se despenha fremente,
dos galhos da sapucaia
nas horas do sol ardente,
sobre um solo d'açucenas,
suspensa a rede de penas,
ali nas tardes amenas
se embala o índio indolente.
VII
Foi ali que noutro tempo
à sombra do cajazeiro
soltava seus doces carmes
o Petrarca brasileiro;
e a bela que o escutava
um sorriso deslizava
para o bardo que pulsava
seu alaúde fagueiro.
VIII
Quando Dirceu e Marília
em terníssimos enleios
se beijavam com ternura
em celestes devaneios;
da selva o vate inspirado
o sabiá namorado,
na laranjeira pousado
soltava ternos gorjeios.
IX
Foi ali, foi no Ipiranga,
que com toda a majestade
rompeu de lábios augustos
o brado da liberdade;
aquela voz soberana
voou na plaga indiana
desde o palácio à choupana,
desde a floresta à cidade!
X
Um povo ergueu-se cantando
- mancebos e anciãos -
e, filhos da mesma terra,
alegres deram-se as mãos:
Foi belo ver esse povo
em suas glórias tão novo,
bradando cheio de fogo:
- Portugal! Somos irmãos!
XI
Quando nasci, esse brado
já não soava na serra
nem os ecos da montanha
ao longe diziam - guerra!
Mas não sei o que sentia
quando, a sós, eu repetia
cheio de nobre ousadia
o nome da minha terra!
XII
Se brasileiro eu nasci
brasileiro hei de morrer,
que um filho daquelas matas
ama o céu que o viu nascer;
chora, sim, porque tem prantos,
e são sentidos e santos
se chora pelos encantos
que nunca mais há de ver.
XIII
Chora, sim, como suspiro
por esses campos que eu amo,
pelas mangueiras copadas
e o canto do gaturano;
pelo rio caudaloso,
pelo prado tão relvoso,
e pelo tiê formoso
da goiabeira no ramo!
XIV
Quis cantar a minha terra,
mas não pode mais a lira;
que outro filho das montanhas
o mesmo canto desfira,
que o proscrito, o desterrado,
de ternos prantos banhados,
de saudades torturado,
em vez de cantar - suspira!
XV
Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!
- É uma terra de amores
alcatifada de flores
onde a brisa em seus rumores
murmura: - não tem rival! 

 Lisboa - 1856.
***

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Poesia Caxiense - Parte 1 * Antonio Cabral Filho - RJ

VI Concurso De Poesias
Ano 2000
Prefeitura Municipal De Duque De Caxias
Gestão
José Camilo Zito dos Santos Teixeira
*
RADIOGRAFIA

1.116 participantes
2.733 poemas inscritos
8 estados brasileiros representados
*
1ª Categoria
1º Lugar

A CIDADE DO MEU QUINTAL

No quintal da minha casa
coloquei-me a observar.
As flores acordam de manhãzinha
e à tardinha vão se deitar.
O sereno na grama verde
parece pequenos diamantes a brilhar
e quando o sol reflete eles parecem flutuar.
Eu vi uma abelhinha na rosa dar um beijo.
Eu vi uma formiguinha
carregando outro bichinho.
Eram tantos bichinhos espalhados pelo chão
que parecia uma mini cidade
que cabia na palma da minha mão.
As formigas trabalhadeiras
sempre a se cumprimentar
O besouro intrometido
sempre estava por lá também.
Ainda vi a dona aranha, muito habilidosa
teceu uma linda teia
e ficou ainda mais vaidosa.
Olhei para o tronco da árvore
e não pude acreditar:
um cupim fez um buraco e ali foi morar.
Mamãe não sabe o que a gente tem no quintal.
É uma linda cidade e lá tudo é normal.
Este é o meu segredo
que não conto pra ninguém:
Sabia que no meu quintal
tem uma cidade também?...

Suelen Oliveira Silva - Cabo Frio - RJ
*

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Antologia De Poetas Da Baixada Fluminense * Antonio Cabral Filho - RJ

Antologia De Poetas
Da Baixada Fluminense
Org Cristina Siqueira
RioArte 1987
*
Transcrevo a seguir trechos da apresentação feita pela organizadora Cristina Siqueira, por considerá-la da maior relevância a respeito da produção literária e poética em Nova Iguaçu e entorno. Confesso que tentei passar ao largo, fazer um "resuminho", ser mais comedido, mas me chateei, não agradou-me fazer "parcimônias" com o assunto. Por isso, ei-la:
"Este é o primeiro registro de um corpo vivo e inquieto, conservador de algumas anarquias e românticas expectativas. Nele reunimos obras de colaboradores de uma possível poética, se elevarmos ao nível de investigação teórica a denominação  poesia baixadense, aviada na fronteira dos anos 70-80 pelo poeta iguaçuano Moduan Matos.

Sem querer ensaiar aqui especulações mais detalhadas, ou avaliar a espessura do fio que isola o que ou quem assim foi denominado (poesia ou poeta baixadense?),  lembramos que o brado do poeta, à época bairrista, retumbou numa espécie de sirene. O ato teve eco e apesar da forma irregular, dividiu com a poesia produzida e consumida nos limites da Baixada Fluminense as atenções até aqui reservadas, exclusivamente, à dos que mergulhavam em mares mais transparentes (sem avaliar seu provável grau de poluição), ou circulavam no mesmo território de intelectuais e pesquisadores.

Longe de insistirmos no préstimo deste "anacrônico" manifesto separatista, cabe lembrar também que vemos hoje os novíssimos poetas da revista Arrulho, de Duque de Caxias, por exemplo, com receptividade merecida e garantida onde quer que se apresentam, itinerar sob o estigma de Poetas Baixadenses. Não há dúvidas de que o "apelido" ficou selado no inconsciente  literário da região.

Pois foi para mostrar o produto que o Centro De Imprensa Alternativa e Cultura Popular do Rioarte,  flexibilizando seus limites geográficos e políticos, solicitou-nos, a mim e a Gladstone Acioli, sujeitos que somos, organizar esta exposição de representantes do fazer poético da Baixada Fluminense.

Instigados cm a proposta, entre tantas outras deparamos com uma delicada e primeira interrogação: o que é, ou melhor, onde começa e termina a Baixada Fluminense? As dificuldades para encontrar uma resposta objetiva nos revelou a necessidade deste aparte.

Baixada é tudo que está em baixas. Disto nós sabemos, e bem. Mas além da lógica primária, nenhum documento nos garante, específica e diretamente, a existência desta região. Registros do IBGE reconhecem uma área genericamente denominada Baixada do Grande Rio, a qual pertencem Magé, Itaboraí, Niterói, São Gonçalo, Mangaratiba, Maricá, Paracambi, parte de Itaguaí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis. Como objetivamente nossa tarefa não era a de penetrar clandestinamente no território desconhecido da cartografia, lançamos mão do mapeamento utilizado pela imprensa  e pesquisadores, que enquadra os quatro últimos municípios ( entendidos como "principais", não sabemos a partir de quais critérios) no contexto do que, efetivamente, se compreende por Baixada Fluminense. 

Tateamos, portanto, numa área de 1.249 km  ( dos 31 km que integram (?) o município de Nilópolis, 22 são ocupados pelo Exército), onde vive cerca de 1/5 da população de todo o Estado do Rio de Janeiro, carente de projetos político-culturais que facilitem convergências físicas, convivência criativa e unidade objetiva. Mas não nos perdemos em queixas. A queixa já era. Por ela ganhamos a fama de chorões e não atuamos concretamente. E de mais a mais, vez ou outra recuperamos um noção dialética que nos consola e através da qual vimos que, muito embora esta dispersão cultural tenha dificultado nossa tarefa, por outro lado ela nos pareceu favorável e independente o suficiente para driblar os imprevisíveis e múltiplos acessos das dominações." 

Nos três parágrafos seguinte, Cistina Siqueira faz um apanhado da organização da Antologia, ressalta os 26 autores selecionados e das dificuldades que isso acarreta, compreendendo apenas 6 municípios.  E ainda acrescenta sua preocupação com o tamanho do livro, por considerá-lo pouco representativo ante a grandeza dos poetas e da região contemplada. Faz um agradecimento aos colaboradores na coleta do material e cita a imprensa local. 

Passo agora a cometer a mais atroz das injustiças, qual seja, escolher um ou outro eleito pelo meu gosto para divulgar no Novas Letras Fluminenses. Mas não o faço sem pedir perdão aos não escolhidos, me atendo apenas um por município. Vamos lá!

1 - Guilherme Peres,
 1934, São João de Meriti,
poeta, artista gráfico e xiologravador, tem trabalhos publicados em diversos jornais e revistas do país. Fundou O GRUPO (1º jornal literário da Baixada Fluminense, cuja edição inaugural data de 1959) e em 1985 publicou Canto Livre (poemas), pelas Edições Sementes.
*
entardecer

o vento passeia
na tarde,
cavalgando em folhas
e montanhas,

desfraldando
roupas no varal,

cataventos desvairados
e pipas loucas,
em rodopios 
de alegria.

ao sul,
nuvens desgarradas,
pastam
restos de sol
*
solo de flauta

um louco enfeita a tarde
em longos gestos,
bailando sombras esguias,
ao ocaso

da flauta de bambu,
doce mistério...

libertam-se sonhos de amor,
canto de pássaros.
*
elegia

seta exata.
a lua jaz inundada
em sangue

tempo estagnado
nos olhos frios
de teu corpo

cai a tarde,
ecoando sons
na trompa da morte.
***
2 - João Siqueira Souza,
1947, Belford Roxo, poeta e policial militar, participou da Biblioteca Alternativa Lima Barreto, publicou Instantes Em Flor, em 1985. Nasceu em Itabapoana - ES, de onde saiu aos 17 para graduar-se em literatura no Rio de Janeiro.

Assuntos Do Vento De Tão Leves

E tu, Poesia, o que és?
Um beijo mais delirante?
Um trilho mais encoberto?
O espaço de todas as ânsias?
O estábulo dos nossos Jesus?
A faca das nossas vinganças?
O escárnio do nosso abandono?
O consolo dos grandes segundos?
O olvido das míseras horas?
A amargura final das paixões?
A catarse, a unidade, a expansão?
A enxada, a manhã, o sublime trabalho?
A capina profunda, sem paga, dos sonhos?
Lida ou feita, inquietável tesouro?
Inquietante tesouro, esmagável tesouro?
sim, Poesia, o que és afinal?
***
3 - Eucanaã de Nazareno Ferraz,
 1961, Mesquita, poeta e professor, publicou em 1984 O Outro E O Outro, com Victor Loureiro, e segue nos dando poesia.

Saudade

Esse gosto azedo que às vezes tem
nem chega a ser bem um gosto
é mais um nada
um nenhum
uma paisagem vazia
água dormindo no pote
reta
horizontal
sem brilho
***
4 - Moduam Matos
 ( Edgar Vieira Matos), 1954, Nova Iguaçu, poeta e contador, um dos integrantes da tribo Desmaio Públiko.

Dormente Tormenta

Trens abarrotados
de corpos suados
desliza pelas linhas da angústia.

Parando em cada estação
descarregando farrapos
negros e brancos
cabisbaixos e sem emoção.

A distância das linhas de ação
dividem os homens
e formam o trem
das vítimas da exploração.

Na tormenta do dia
perde-se o tempo
Na dormência da base
perde-se a vida em vão.

Trem de peões
nós nos corações
fundem a existência
no ferro e no aço dos vagões.
***
5 - José André Borges,
1932, Queimados, poeta e jornalista, publicou Da Ilha Grande Ao Poder, em 1985, onde foi preso político. Tem outros trabalhos publicados.

Oficina Da Noite

Puxei o cordão do tempo
e do fundo de um lago
a noite boiou mansamente

Como o pedreiro constrói casas
em que nunca há de morar
esperanças meu ofício é construir
nesse fluir
constante
de vazias noites e dias

Na oficina da noite
construo esperanças
com que outros hão de sonhar
sonhos de liberdade
de um amor infinito
sem amargor
nem ansiedades

Na amiga noite dos notívagos
vermelha medra a esperança
de um mundo novo
de um livre e risonho dia
que breve despontará
***
6 - Nélio Menezes Velloso,
1959, Duque de Caxias,poeta e ator, publicou Luz De Palco em 1981.

De Repente

avida bate
na portal azul
no céu azul
no prato raso

a vida bate
no meu peito
na tua cara
na tua casa

a vida bate
no meu poema
embaixo da tarde
no sino da igreja

a vida bate camarada
cuidadosamente
belamente
impetuosamente
a vida bate
***