quarta-feira, 21 de outubro de 2015

As Primaveras/Casimiro de Abreu * Antonio Cabral Filho - RJ

AS PRIMAVERAS
CASIMIRO DE ABREU
Livraria Martins Editora/INL 1972
Introdução: Domingos Carvalho da Silva
*

Minha Terra 

Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá. 

G. Dias.
I
Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha,
nas débeis cordas da lira
hei de fazê-la rainha;
- Hei de dar-lhe a realeza
nesse trono de beleza
em que a mão da natureza
esmerou-se enquanto tinha.
II
Correi pr'as bandas do sul:
debaixo dum céu de anil
encontrareis o gigante
Santa Cruz, hoje Brasil;
- É uma terra de amores
alcatifada de flores
onde a brisa fala amores
nas belas tardes de abril.
III
Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!!
- É uma terra encantada
- mimoso jardim de fada -
do mundo todo invejada,
que o mundo não tem igual.
IV
Não, não tem, que Deus fadou-a:
Dentre todas - a primeira:
Deu-lhe esses campos bordados,
deu-lhe os leques da palmeira.
E a borboleta que adeja
sobre as flores que ela beija,
quando o vento rumoreja
nas folhagens da mangueira.
V
É um país majestoso
essa terra de Tupã,
desde o Amazonas ao Prata,
do Rio Grande ao Pará!
- Tem serranias gigantes
e tem bosques verdejantes
que repetem incessantes
os cantos do sabiá.
VI
Ao lado da cachoeira,
que se despenha fremente,
dos galhos da sapucaia
nas horas do sol ardente,
sobre um solo d'açucenas,
suspensa a rede de penas,
ali nas tardes amenas
se embala o índio indolente.
VII
Foi ali que noutro tempo
à sombra do cajazeiro
soltava seus doces carmes
o Petrarca brasileiro;
e a bela que o escutava
um sorriso deslizava
para o bardo que pulsava
seu alaúde fagueiro.
VIII
Quando Dirceu e Marília
em terníssimos enleios
se beijavam com ternura
em celestes devaneios;
da selva o vate inspirado
o sabiá namorado,
na laranjeira pousado
soltava ternos gorjeios.
IX
Foi ali, foi no Ipiranga,
que com toda a majestade
rompeu de lábios augustos
o brado da liberdade;
aquela voz soberana
voou na plaga indiana
desde o palácio à choupana,
desde a floresta à cidade!
X
Um povo ergueu-se cantando
- mancebos e anciãos -
e, filhos da mesma terra,
alegres deram-se as mãos:
Foi belo ver esse povo
em suas glórias tão novo,
bradando cheio de fogo:
- Portugal! Somos irmãos!
XI
Quando nasci, esse brado
já não soava na serra
nem os ecos da montanha
ao longe diziam - guerra!
Mas não sei o que sentia
quando, a sós, eu repetia
cheio de nobre ousadia
o nome da minha terra!
XII
Se brasileiro eu nasci
brasileiro hei de morrer,
que um filho daquelas matas
ama o céu que o viu nascer;
chora, sim, porque tem prantos,
e são sentidos e santos
se chora pelos encantos
que nunca mais há de ver.
XIII
Chora, sim, como suspiro
por esses campos que eu amo,
pelas mangueiras copadas
e o canto do gaturano;
pelo rio caudaloso,
pelo prado tão relvoso,
e pelo tiê formoso
da goiabeira no ramo!
XIV
Quis cantar a minha terra,
mas não pode mais a lira;
que outro filho das montanhas
o mesmo canto desfira,
que o proscrito, o desterrado,
de ternos prantos banhados,
de saudades torturado,
em vez de cantar - suspira!
XV
Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!
- É uma terra de amores
alcatifada de flores
onde a brisa em seus rumores
murmura: - não tem rival! 

 Lisboa - 1856.
***

Nenhum comentário:

Postar um comentário