segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Antologia De Poetas Da Baixada Fluminense * Antonio Cabral Filho - RJ

Antologia De Poetas
Da Baixada Fluminense
Org Cristina Siqueira
RioArte 1987
*
Transcrevo a seguir trechos da apresentação feita pela organizadora Cristina Siqueira, por considerá-la da maior relevância a respeito da produção literária e poética em Nova Iguaçu e entorno. Confesso que tentei passar ao largo, fazer um "resuminho", ser mais comedido, mas me chateei, não agradou-me fazer "parcimônias" com o assunto. Por isso, ei-la:
"Este é o primeiro registro de um corpo vivo e inquieto, conservador de algumas anarquias e românticas expectativas. Nele reunimos obras de colaboradores de uma possível poética, se elevarmos ao nível de investigação teórica a denominação  poesia baixadense, aviada na fronteira dos anos 70-80 pelo poeta iguaçuano Moduan Matos.

Sem querer ensaiar aqui especulações mais detalhadas, ou avaliar a espessura do fio que isola o que ou quem assim foi denominado (poesia ou poeta baixadense?),  lembramos que o brado do poeta, à época bairrista, retumbou numa espécie de sirene. O ato teve eco e apesar da forma irregular, dividiu com a poesia produzida e consumida nos limites da Baixada Fluminense as atenções até aqui reservadas, exclusivamente, à dos que mergulhavam em mares mais transparentes (sem avaliar seu provável grau de poluição), ou circulavam no mesmo território de intelectuais e pesquisadores.

Longe de insistirmos no préstimo deste "anacrônico" manifesto separatista, cabe lembrar também que vemos hoje os novíssimos poetas da revista Arrulho, de Duque de Caxias, por exemplo, com receptividade merecida e garantida onde quer que se apresentam, itinerar sob o estigma de Poetas Baixadenses. Não há dúvidas de que o "apelido" ficou selado no inconsciente  literário da região.

Pois foi para mostrar o produto que o Centro De Imprensa Alternativa e Cultura Popular do Rioarte,  flexibilizando seus limites geográficos e políticos, solicitou-nos, a mim e a Gladstone Acioli, sujeitos que somos, organizar esta exposição de representantes do fazer poético da Baixada Fluminense.

Instigados cm a proposta, entre tantas outras deparamos com uma delicada e primeira interrogação: o que é, ou melhor, onde começa e termina a Baixada Fluminense? As dificuldades para encontrar uma resposta objetiva nos revelou a necessidade deste aparte.

Baixada é tudo que está em baixas. Disto nós sabemos, e bem. Mas além da lógica primária, nenhum documento nos garante, específica e diretamente, a existência desta região. Registros do IBGE reconhecem uma área genericamente denominada Baixada do Grande Rio, a qual pertencem Magé, Itaboraí, Niterói, São Gonçalo, Mangaratiba, Maricá, Paracambi, parte de Itaguaí, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis. Como objetivamente nossa tarefa não era a de penetrar clandestinamente no território desconhecido da cartografia, lançamos mão do mapeamento utilizado pela imprensa  e pesquisadores, que enquadra os quatro últimos municípios ( entendidos como "principais", não sabemos a partir de quais critérios) no contexto do que, efetivamente, se compreende por Baixada Fluminense. 

Tateamos, portanto, numa área de 1.249 km  ( dos 31 km que integram (?) o município de Nilópolis, 22 são ocupados pelo Exército), onde vive cerca de 1/5 da população de todo o Estado do Rio de Janeiro, carente de projetos político-culturais que facilitem convergências físicas, convivência criativa e unidade objetiva. Mas não nos perdemos em queixas. A queixa já era. Por ela ganhamos a fama de chorões e não atuamos concretamente. E de mais a mais, vez ou outra recuperamos um noção dialética que nos consola e através da qual vimos que, muito embora esta dispersão cultural tenha dificultado nossa tarefa, por outro lado ela nos pareceu favorável e independente o suficiente para driblar os imprevisíveis e múltiplos acessos das dominações." 

Nos três parágrafos seguinte, Cistina Siqueira faz um apanhado da organização da Antologia, ressalta os 26 autores selecionados e das dificuldades que isso acarreta, compreendendo apenas 6 municípios.  E ainda acrescenta sua preocupação com o tamanho do livro, por considerá-lo pouco representativo ante a grandeza dos poetas e da região contemplada. Faz um agradecimento aos colaboradores na coleta do material e cita a imprensa local. 

Passo agora a cometer a mais atroz das injustiças, qual seja, escolher um ou outro eleito pelo meu gosto para divulgar no Novas Letras Fluminenses. Mas não o faço sem pedir perdão aos não escolhidos, me atendo apenas um por município. Vamos lá!

1 - Guilherme Peres,
 1934, São João de Meriti,
poeta, artista gráfico e xiologravador, tem trabalhos publicados em diversos jornais e revistas do país. Fundou O GRUPO (1º jornal literário da Baixada Fluminense, cuja edição inaugural data de 1959) e em 1985 publicou Canto Livre (poemas), pelas Edições Sementes.
*
entardecer

o vento passeia
na tarde,
cavalgando em folhas
e montanhas,

desfraldando
roupas no varal,

cataventos desvairados
e pipas loucas,
em rodopios 
de alegria.

ao sul,
nuvens desgarradas,
pastam
restos de sol
*
solo de flauta

um louco enfeita a tarde
em longos gestos,
bailando sombras esguias,
ao ocaso

da flauta de bambu,
doce mistério...

libertam-se sonhos de amor,
canto de pássaros.
*
elegia

seta exata.
a lua jaz inundada
em sangue

tempo estagnado
nos olhos frios
de teu corpo

cai a tarde,
ecoando sons
na trompa da morte.
***
2 - João Siqueira Souza,
1947, Belford Roxo, poeta e policial militar, participou da Biblioteca Alternativa Lima Barreto, publicou Instantes Em Flor, em 1985. Nasceu em Itabapoana - ES, de onde saiu aos 17 para graduar-se em literatura no Rio de Janeiro.

Assuntos Do Vento De Tão Leves

E tu, Poesia, o que és?
Um beijo mais delirante?
Um trilho mais encoberto?
O espaço de todas as ânsias?
O estábulo dos nossos Jesus?
A faca das nossas vinganças?
O escárnio do nosso abandono?
O consolo dos grandes segundos?
O olvido das míseras horas?
A amargura final das paixões?
A catarse, a unidade, a expansão?
A enxada, a manhã, o sublime trabalho?
A capina profunda, sem paga, dos sonhos?
Lida ou feita, inquietável tesouro?
Inquietante tesouro, esmagável tesouro?
sim, Poesia, o que és afinal?
***
3 - Eucanaã de Nazareno Ferraz,
 1961, Mesquita, poeta e professor, publicou em 1984 O Outro E O Outro, com Victor Loureiro, e segue nos dando poesia.

Saudade

Esse gosto azedo que às vezes tem
nem chega a ser bem um gosto
é mais um nada
um nenhum
uma paisagem vazia
água dormindo no pote
reta
horizontal
sem brilho
***
4 - Moduam Matos
 ( Edgar Vieira Matos), 1954, Nova Iguaçu, poeta e contador, um dos integrantes da tribo Desmaio Públiko.

Dormente Tormenta

Trens abarrotados
de corpos suados
desliza pelas linhas da angústia.

Parando em cada estação
descarregando farrapos
negros e brancos
cabisbaixos e sem emoção.

A distância das linhas de ação
dividem os homens
e formam o trem
das vítimas da exploração.

Na tormenta do dia
perde-se o tempo
Na dormência da base
perde-se a vida em vão.

Trem de peões
nós nos corações
fundem a existência
no ferro e no aço dos vagões.
***
5 - José André Borges,
1932, Queimados, poeta e jornalista, publicou Da Ilha Grande Ao Poder, em 1985, onde foi preso político. Tem outros trabalhos publicados.

Oficina Da Noite

Puxei o cordão do tempo
e do fundo de um lago
a noite boiou mansamente

Como o pedreiro constrói casas
em que nunca há de morar
esperanças meu ofício é construir
nesse fluir
constante
de vazias noites e dias

Na oficina da noite
construo esperanças
com que outros hão de sonhar
sonhos de liberdade
de um amor infinito
sem amargor
nem ansiedades

Na amiga noite dos notívagos
vermelha medra a esperança
de um mundo novo
de um livre e risonho dia
que breve despontará
***
6 - Nélio Menezes Velloso,
1959, Duque de Caxias,poeta e ator, publicou Luz De Palco em 1981.

De Repente

avida bate
na portal azul
no céu azul
no prato raso

a vida bate
no meu peito
na tua cara
na tua casa

a vida bate
no meu poema
embaixo da tarde
no sino da igreja

a vida bate camarada
cuidadosamente
belamente
impetuosamente
a vida bate
***

Um comentário:

  1. Parabéns pelo belo trabalho. POESIA... quando vemos a cada dia, mais e mais proliferar o péssimo gosto na música brasileira, é motivo de satisfação saber que ainda tem pessoas que se interessam por poesia e, principalmente que a divulgue...

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