De Cara Limpa E Boca Suja
Jorge Vieira,
poemas, reg. BN/EDA 61700 Prot 4703/89.
Prefácio - Gilson Caroni Filho, capa - Sérgio Campos.
Copyright: Santos, Jorge Vieira 1990.
*
PREFÁCIO
"Moleque do Rio Comprido, filho de Salvador e de Yara, Jorge cresceu e, como o pai com o solado dos sapatos, resolveu calçar a vida de poemas.
O pai, música sobre tamancos, cortejou nas ruas sinuosas do Catumbi, Yara, a namorada. O filho, este moleque abusado e narigudo, encontrou nas linhas tortuosas do viver a poesia como forma de expressão. Tal pai tal filho. Tantos espíritos santos.
Agora ele, ( o filho ) me envia carta plena de convicções, anunciando o lançamento de seu segundo livro. Nela sou tratado por "companheiro".
Ledo engano: a condição ontológica de um poeta é a solidão. Tudo nele é singular e intransferível. Sua sina é trágica porque lhe é negado o direito à partilha. Suas dores e amores são indivisíveis e, o que é mais terrível, intraduzíveis para outra linguagem que não seja a poética.
Em Vieira, como em todos os poetas, habitam ectoplasmas. E suas emoções atemporais são juras de amor que se desfizeram por exigências métricas, pulsares inaudíveis de filhos apenas desejados, e uma história cuja tragicidade reside no fato de que mentem vencedores e vencidos.
Volúvel e leviano? besteira. O poeta sabe que ou se é ou se ama. Quem ama não é. Quem é não mama. O poeta opta por amar. A única certeza de amante é luz de fogo - fátuo. A luminosidade turva a visão e, quando menos se espera, entre um verso e outro, tudo está perdido.
Por isso, Jorge, sou, quando muito um de seus fantasmas preferidos. Daqueles que testemunham a concordância entre o estilo e a sinceridade das incertezas.
A construção formal fica por conta da crítica, conjunto de simuladores que não se dão conta do caráter inacabado do que lêem.
!Cara Limpa E Boca Suja" é mais uma armadilha para os exegetas de plantão. A ela sobreviverão muitas tentativas inúteis de conceituação e enquadramento.
Os versos, pantanosos que são, tragarão todos os que julgarem possível fazer, impunemente, a travessia de um poema.
Acho até que é dever do prefaciador alertar os leitores que, entre as Ruas do Catumbi e as vielas estreitas de Manágua, a morte os espreita, altaneira como um galo de briga, malemolente como seu criador.
Se forem pegos, o que acontecerá nos registros de óbito? Edema barroco? Septicemia parnasiana? Acidente vasculhar concretista? Infarto práxis? Sei lá, cada um que escolha seu fecho de ouro.
Vieira, pleno de convulsões, me envia correspondência. À boca vem um gosto do feijão da Yara, temperada com uma saudade abafada do Salvador.
Cá estou, a meu modo, de cara limpa e boca suja.
GILSON CARONI FILHO"
*Jorge Vieira datou sua introdução em "Março/1990", após tecer dribles para não ser formal ou sugerindo como não fazer uma introdução. Gostaria de oferecer aos meus amigos leitores todo o livro dele, mas trata-se de 82 poemas, em sua maioria letras de música compartilhadas com músicos e cantores da nossa cidade e Grande Rio, São João de Meriti e alhures.
Em rápida busca sobre ele, encontrei-o aí, no meio de um palco, recitando ou cantando, faz um tempão. Confiram o link
http://m.diariodovale.com.br/views/noticiaInterna.asp? cod=33624&codArea=3
*
Deixo-lhes o poema-título
DE CARA LIMPA E BOCA SUJA
Eu vou entre rosas retalhos e rendas
restos risos romances reinados
dissidências detalhes e dados
chuva sol celas cintos e sendas
eu vou entre fotos fantasmas e fitas
chopes cheiros xaropes e chitas
mensageiros massagens e mitos
imprudência problemas e portos
E lá vou eu
peito aberto e corpo fechado
corpo forte e fé nas rezas
osso duro de roer
e lá vou eu
lábios secos olhos molhados
riso alegre pela cara
(É assim que eu posso ser)
Eu vou entre cegos sarrafos sentidos
luminosos levantes latidos
inimigos perigo latidos
maldições mutações e mormaços
eu vou entre pernas poemas e pingos
analistas neurônios mendigos
infelizes felinos famílias
bomba H bano e bumba-meu-boi
E lá vou eu
pulso firme e mão aberta
mente forte e fala solta
doa ela a quem doer
e lá vou eu
cara limpa e boca suja
pois por mais que disso eu fuja
é assim que eu sei viver.
*Poema e melodia de Jorge Vieira
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