segunda-feira, 2 de novembro de 2015

O Féretro Dos Vivos/Airton R. Oliveira * Antonio Cabral Filho - RJ

O Féretro Dos Vivos
em nove carros
AIRTON R. OLIVEIRA
Edições Rosa Dos Ventos

Apresentação
A poesia de Airton R. Oliveira define bem este meu jovem amigo. é uma poesia engajada, a participar das agruras  do povão, como o autor. O Féretro Dos Vivos em Nove Carros, só não lhe dará o status  que o automóvel confere aos ricos. Sua maior e única riqueza é ter o status de poeta, do qual a prova é o seu livro. 

Antonio Fraga,
Nova Iguaçu - RJ

Fala Do Autor

"As experiências vividas propiciam momentos criativos vários; tal oportunidade é fruto desse tempo embassado de incertezas. Procuro mostrar nesse pequena obra, os sofrimentos do homem divorciado do direito de viver.

O presente trabalho não está, tão somente, ligado à sensibilidade testemunhal da realidade mas procura-se dar, também, sincronisação de movimentos  a cada verso construído através da palavra pesquisada: a musicalidade surge com ritmos sucessivos engendrados pelo homem espoliado, em cada vagão coberto de medo.

Fica patente a disposição do verso parido onde aprende-se a escrever e conviver com cada coração  acorrentado e sequioso de esperanças.

A.R.O."

I
Nesse solavanco arranco trôpego,
espero desesperado o atrasado
que emancipa o fim premente na mente.
Estação de trem, plataforma,
forma uma azáfama
ama
     arma
            morte
Angustiado. Atraso do primeiro suburbano
a caminho do grande centro urbano
esse anuncia o prenúncio do amanhã:
névoa úmida, pássaro a cantar,
luar caindo novo despertar.
O povo desesperado rasga da goela
um grito firme
marmita suspensa. Dança ovo, dança feijão,
dança arroz
paladar, saciar a fome
enquanto come apalpa a comprime o alimento
cimento com brita comida desenvolvida
vida
     vil
         vide
Passos largos incertos
sapato roto, moeda desvalorizada
risada, larga risada
pisa na lama escorrega no estribo
                           fim de linha.

II
A chama vem à tona
mais um dia crucial
carne viva exposta
posta no antro quente
forno de carnes tostadas
              mundo tropical.
No canibalismo de cada marginal
na margem esquerda e na direita
sinal vermelho: sangue pingente
de carne retalha em pedaços.
Trilha de trem trilha sonora
último canto em estribos falsários,
samba cadenciado do féretro dos artistas
da vida dura,
postados no cadafalso da carne mórbida.
Finado. A chusma em grasnidos,
a plataforma eterna, sua tranquila pousada.
Férias sem féria, de cada cinco dias
o pão nosso de cada dia, paraíso;
a remuneração sem salários nem tampouco
Fim
Garantido por
Tempo de 
Serviço
Albergue eterno isento de desemprego
sem desespero nem fome. Imigração eterna.

III
Linha dura
linha férrea
corpo partido
doído esquartejado
menos uma mão-de-obra.
Corpo desfigurado
banhado em sangue
verde, vermelho e amarelo.
Feriado nacional trem vazio
apenas algum marginal.

IV
Mandinga na encruzilhada:
cachaça, galinha, vela, chama
- sexta-feira 13 -
coração veloz, descompassado
sístole, diástole, diástole, sístole.
Desorganizado. Sangue envolvente
vermes em greve
tripas roncando
cuíca calada
aperto o passo
madrugada nascente
lume sem luz
o galo a cantar
suor exposto no rosto brilhante
em sua agonia marmita vazia.
                             Bafo azedo.
Marginal na estrada seguro à arma,
à espreita
silêncio calado
intercepta-o
                 corta-o
                           tomba-o
vida pura
             purulenta
                           vida vil
Família alhures
sem o mínimo salário
minimizador aglutina a dor.
fome contínua, locada na broca do rosto
na broca da boca, na broca do estômago.
Aluguel vencido
família desabrigada.
A fome é dura
perdura no seio
do amanhã um anseio,
casa deserta. Aviso:
"A família sem pai
mora na próxima ponte,
sem número - esquina com
a quina da ladeira da morte."

V
Na batucada da chusma
o trem se apruma
linha reta infinito
sonhar no amanhã
ventania devasta
esfriando o sufoco
sinaleiro sem vida
sinal em penumbra:
trem descarrilado.
Nenhum culpado...
retalhado o partido
partiu para sempre
bife de gente.

VI
Mas o amanhã é nascente
na alma da gente
o sol a alumiar outro dia
trem avariado:
ramal sem destino.
***
Palavra Do Editor

Como pode ver o distinto leitor, trata-se de um poeta com verve proletária, que faz da lida diária sua Excalibur, e combate, como combate!
Pelos seis cantos iniciais, ele nos fornece a tônica de sua épica, que irá perpassar em nossas almas toda a epopeia dos oprimidos das grandes metrópoles do mundo contemporâneo.
Bravo Airton !
*

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